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em Todo o Mundo

Lillian Ashby e a família Dharmaraju

Como uma Mulher Ajudou a Introduzir a Igreja na Índia

William Kesler Jackson

Todos os anos, milhares de admiradores sobem as exuberantes encostas do Monte Vaea, com vista para as águas turquesas da Baía de Vaiusu, na ilha samoana de Upolu. Eles vêm para visitar o túmulo de Robert Louis Stevenson, famoso escritor britânico, autor do belo romance Treasure Island [A ilha do Tesouro], que aqui morreu quando tinha apenas 44 anos de idade.

Talvez um dia, milhares de pessoas venham visitar outra lápide nas proximidades, para honrar uma mulher cuja contribuição silenciosa para a propagação do evangelho restaurado passou quase inteiramente despercebida. Apesar de ter nascido em Copenhague, na Dinamarca, ela também morreu em Upolu, com apenas 37 anos de idade. O nome dela era Lillian Toft Ashby.1

Em 1975, quando Lillian e seu marido, Richard, receberam o chamado para uma missão médica em um hospital de Samoa, “Lilli” já tinha passado por alguns tratamentos contra o câncer, com o apoio da família. Os amigos que sabiam da condição de Lillian ficaram surpresos ao saber que, mesmo tendo superado o câncer apenas recentemente — e com cinco filhos pequenos (com idades entre 4 e 12 anos) a tiracolo — a família Ashby estava indo para o Pacífico. Um amigo próximo relembrou: “Eu nunca tinha visto — e nem vi desde então — um chamado como aquele!”2

Eu nunca tinha visto — e nem vi desde então — um chamado como aquele!

Lilli e Richard foram ao templo de Los Angeles, na Califórnia, pouco antes de partirem e, por acaso, encontraram o Presidente Spencer W. Kimball. A pedido de Richard, o Presidente Kimball abençoou Lillian. O Dr. Ashby talvez tenha esperado ouvir a promessa de que a cura de sua esposa seria completa e que o câncer nunca mais retornaria. Porém, em vez disso, o profeta simplesmente prometeu a Lilli que ela seria capaz de “cumprir com seu chamado missionário e servir uma missão bem-sucedida”. E nada mais.3

Com fé em seu chamado e na bênção do Presidente Kimball, a família Ashby partiu, chegando em Samoa em janeiro de 1976.

Quase imediatamente, os missionários de proselitismo apresentaram Lillian e Richard à outra família expatriada: o refinado e culto Dr. Edwin Dharmaraju, um renomado entomologista, sua esposa, Elsie, e suas filhas, Lata, Asha e Sheila. Edwin e Richard rapidamente se entrosaram, por causa de sua semelhante formação educacional nas ciências. E Sheila lembra como Lillian conquistou a família com seu caloroso e “belo senso de humor”.4 As duas famílias se tornaram muito amigas.

No entanto, embora a família Dharmaraju apreciasse a tradição das noite familiares da família Ashby, aceitasse o convite para visitar a Igreja e mesmo que duas de suas filhas trabalhassem na Faculdade da Igreja da Samoa Ocidental, de propriedade da Igreja, eles não estavam interessados em pesquisar formalmente a igreja. Edwin havia sido criado em uma família com raízes profundas no anglicanismo e a família de Elsie era composta por batistas fiéis.

Ainda assim, Lillian sentiu-se inspirada a convidar a família Dharmaraju a estudar, em espírito de oração, os ensinamentos da Igreja. Richard não estava tão certo disso. Edwin e Elsie davam imenso valor a sua família e Richard imaginava que eles iriam querer manter a religião deles. Mas Lillian estava decidida, certa de que o Espírito estava sussurrando para ela. A família Ashby decidiu, apesar da hesitação de Richard, abordar o tema durante a próxima visita.

O convite foi recebido da maneira que Richard esperava. “Dr. Edwin” perguntou a Richard como sua própria família reagiria se ele abandonasse a Igreja.

“Eles provavelmente ficariam chocados e, obviamente, decepcionados”, Richard admitiu.

“Venho de uma longa linhagem de membros da Igreja Anglicana. Estamos nessa Igreja há mais de cem anos”, explicou Edwin. “O ato de sairmos de nossa igreja para nos unirmos a outra denominação criaria as mais graves decepções imagináveis. Assim como você, nós também não conseguiríamos empreender tal mudança.”

Posteriormente, o Dr. Ashby escreveria o seguinte a respeito da resposta afiada de Edwin: “Minha primeira impressão quanto [à insistência de Lillian] parecia ter sido confirmada: como era de se esperar, [eles] jamais pensariam em mudar de religião”.5

Ainda assim, Lillian não se deu por vencida e convenceu Richard a tentar novamente.

Infelizmente, o câncer se tornara maligno novamente e a saúde dela piorava rapidamente. “Lembrávamos de [Edwin e Elsie] em nossas orações”, o Dr. Ashby recorda-se, “e tentávamos visitá-los de tempos em tempos, mas, por fim, isso se tornou praticamente impossível, quando Lillian ficou mais fraca. Mas a família Dharmaraju percebeu o amor e o senso de humor de Lilli, mesmo durante seu doloroso esgotamento físico.6

Sentindo que o fim de sua vida mortal estava perto, Lillian escreveu seu testemunho para seus amigos. Então, ela entregou para seu marido sua combinação tríplice (o Livro de Mórmon, Doutrina e Convênios e Pérola de Grande Valor), com capa de couro branco, e pediu-lhe insistentemente que, se ela morresse, ele deveria entregar o livro, junto com seu testemunho, a Edwin e Elsie. “Incentive-os a estudar e ler o meu testemunho”, ela recomendou.7

Ele prometeu que faria aquilo.

Em agosto de 1976, depois de quase nove meses de serviço em Samoa, Lillian Toft Ashby faleceu em um hospital em Apia. Ela foi enterrada em um cemitério nos arredores da cidade, em uma pequena área reservada para missionários santos dos últimos dias; havia meia dúzia de lápides no terreno, a mais velha datando do século XIX. Edwin, Elsie e suas três filhas estiveram presentes no funeral de Lilli. E Richard Ashby cumpriu a promessa feita à sua falecida esposa, presenteando o homem que havia declarado inequivocamente que nunca abandonaria a Igreja de sua família com as escrituras de capa de couro branco de Lillian.

Pouco depois, Richard Ashby também enfrentaria graves problemas de saúde, devido a um acidente automobilístico que o deixou no hospital por várias semanas. Após diversas crises — mas não antes de concluir sua missão — ele e seus cinco filhos voltaram para os Estados Unidos.

Algumas pessoas do Departamento de Serviços Humanitários da Igreja descreveriam a experiência missionária de Ashby como um desastre total, por causa da dor, dos acidentes e da morte que a acompanharam. Outros ficaram confusos. O Élder James O. Mason, do Segundo Quórum dos Setenta, por exemplo, ficou surpreso com a maneira como as coisas haviam acontecido — ou, na visão de alguns, como as coisas deixaram de acontecer — pois ele tinha certeza de que “o chamado da família Ashby havia sido inspirado”.8

O que aconteceu com o Dr. Edwin, Elsie e suas filhas é bem conhecido, pelo menos entre os membros da Igreja no sul da Índia. Edwin Dharmaraju, talvez movido pela lembrança da coragem de Lillian em face à morte, folheou a combinação tríplice com capa de couro branco que lhe havia sido dado a pedido dela. Ele leu o testemunho dela e começou a estudar o Livro de Mórmon. Elsie fez o mesmo. Em pouco tempo, os missionários de tempo integral estavam ensinando a família inteira. Lata, Asha e Sheila foram batizadas em 4 de março de 1977; Edwin e Elsie foram batizados junto com seu filho, Srini, pouco tempo depois, quando ele veio da Índia para receber a ordenança.

Mais tarde naquele ano, o casamento de Lata, na Índia, proporcionou uma oportunidade para que a família Dharmaraju compartilhasse seu entusiasmo pelo evangelho restaurado com seus parentes. Após a viagem, Edwin e Elsie escreveram para a sede da Igreja, solicitando que missionários fossem enviados para ensinar seus familiares na Índia — e eles ficaram surpresos ao serem eles mesmos chamados como missionários, em uma missão especial de três meses, durante uma licença de trabalho. Ao embarcarem no avião em dezembro de 1978, Edwin relembra que “de repente, percebemos a importância de nossas responsabilidades como missionários e ficamos com medo. Qualquer coisa errada que disséssemos ou fizéssemos iria prejudicar a ferir a Igreja e seu futuro”. Para acalmar-se, Elsie Dharmaraju abriu a combinação tríplice, que já era parte da família. “Eleva o coração e regozija-te”, ela leu, “pois é chegada a hora de tua missão. (…) Sim, abrirei o coração do povo e eles te receberão. E pelas tuas mãos estabelecerei uma igreja.”9

Abrirei o coração do povo.

Hoje em dia, um visitante santo dos últimos dias que visite a Índia pode querer saber por que a primeira estaca da Igreja naquele país foi formada em Hyderabad e não na capital, Nova Delhi, ou nos estados do extremo sul, mais profundamente cristãos. A resposta encontra-se, em parte, na fé de 22 conversos batizados em dezembro de 1978, em Hyderabad, que formaram o primeiro núcleo permanente da Igreja naquele subcontinente, após 125 anos de tentativas intermitentes.10 Em 2014, o número de membros no país quase chegou a 12 mil.

E tudo isso começou na ilha de Upolu, em Samoa. “Nós amamos a família Ashby”, relembram as filhas do casal Dharmaraju décadas depois de seu batismo. “Eles foram a primeira família Mórmon que conhecemos.” As escrituras com capa de couro branco de Lillian ainda são estimadas como um tesouro familiar.11

Lillian foi chamada para servir em Samoa, com uma população de pouco mais de 150 mil habitantes. O período em que sua família ficou lá foi difícil em vários aspectos, e ela provavelmente se perguntou se chegou a fazer alguma diferença. Por que motivo o Senhor teria enviado aquela dinamarquesa com câncer, mãe de cinco filhos, para uma remota ilha do Pacífico? Talvez sua verdadeira missão tenha sido plantar o evangelho na Índia, com uma população de mais 1 bilhão de pessoas.

Um dia, certamente, os indianos e outros povos verão Upolu como uma verdadeira “ilha do tesouro”.

Notas de rodapé

[1] “Lillian Toft Ashby”, Salt Lake Tribune, 29 de agosto de 1976.

[2] Edward Jackson, “The Richard Ashby Story” (memórias não publicadas, 2004), p. 1. De acordo com Loren Martin, um missionário em Samoa na ocasião, o câncer de Lillian era tido como curado na época em que ela chegou (e-mail de Loren Martin para James Goldberg, 12 de junho de 2014).

[3] Edward Jackson, “The Richard Ashby Story”, p. 1.

[4] Conversa por telefone com Sheila King, 25 de agosto de 2014.

[5] Richard Ashby, “The Marvelous True Story of Dr. Edwin and His Family” (memórias não publicadas, 2007), p. 2.

[6] Richard Ashby, “The Marvelous True Story of Dr. Edwin and His Family”, p. 2.

[7] Richard Ashby, “The Marvelous True Story of Dr. Edwin and His Family”, p. 2.

[8] Edward Jackson, “The Richard Ashby Story”, p. 1.

[9] Alton L. Wade, “And Ye Shall Be Witnesses unto Me” (Devocional da Universidade Brigham Young, 4 de abril de 2000), p. 5; speeches.byu.edu.

[10] Elizabeth S. VanDenBerghe, “Edwin Dharmaraju: Taking the Gospel Home to India”, Ensign, abril de 1990, p. 62.

[11] Edward Jackson, “The Richard Ashby Story”, p. 3. Foto da combinação tríplice, cortesia de Sheila King.