“Para Que Conheçam os Convênios do Senhor”

Matthew McBride
9 January 2015

Olivas Aoy e o Livro de Mórmon

Olivas Vila Aoy1 chegou a Salt Lake City em março de 1884.2 Um espanhol bem-educado de 61 anos de idade3, sua presença nas ruas da capital de Utah era peculiar — a maioria da população do estado predominantemente Mórmon era de ascendência britânica ou de europeus do norte e poucos falavam espanhol. Foi a primeira visita de Aoy à sede de A Igreja de Jesus Cristo dos Santos dos Últimos Dias, e ele planejara ficar duas ou três semanas. Quatro anos antes, havia se filiado à Igreja no Novo México, onde por mais de dez anos editou jornais ao longo de uma constelação de pequenas cidades de mineração que ficou conhecida como a Trilha Turquesa.4

Enquanto estava em Salt Lake City, ele visitou o estúdio de arte de George M. Ottinger, famoso em Utah por suas pinturas do México e da cultura asteca. Quando jovem, Ottinger viajara por todo o México, fascinado com a cultura dos seus povos nativos.5 Ele descobriu que tinha muitas coisas em comum com Aoy.

Viajante

O próprio interesse de Aoy pelos povos indígenas da América tinha começado cerca de 25 anos antes, quando ele também viajou para o México. A viagem aconteceu como um momento decisivo em sua vida. Antes da viagem, ele estava sendo treinado para tornar-se um sacerdote franciscano em Havana, Cuba. Depois de um desentendimento acalorado com o vigário geral sobre a necessidade do celibato sacerdotal, Aoy foi excomungado da Igreja Católica.6 Sem nenhum outro vínculo em Cuba, Aoy partiu para o México de barco. Ele desembarcou na Península de Yucatán e viveu entre os maias por alguns anos, onde, de acordo com uma tradição, ele “adotou o modo de vida deles, suas roupas e seus costumes”.7

Durante seu tempo entre os maias, ele desenvolveu uma preocupação duradoura sobre o futuro do povo. A outrora grande civilização maia, estava agora drasticamente reduzida em número e infeliz sob o governo mexicano-espanhol. Rebaixados a um sistema de castas que privilegiava seus conquistadores europeus, alguns maias até pegaram em armas para lutar pela independência.8 Aoy talvez tenha tomado conhecimento da situação dos maias, enquanto estava em Havana, onde muito provavelmente encontrou rebeldes maias que haviam sido vendidos para trabalho escravo para trabalhar nas plantações cubanas.9

Embora Aoy tenha permanecido em Yucatán por apenas alguns anos, sua experiência ali deixou uma impressão duradoura. Os maus-tratos, de seus companheiros europeus aos povos nativos da América o perturbava.10 Já em sintonia com as necessidades dos oprimidos, talvez por sua índole ou por seu treinamento para tornar-se um franciscano, ele partiu de Yucatán com um entusiasmo renovado para defender os oprimidos e carentes, onde quer que estivessem.

Editor

Aoy mudou-se para Nova Orleans na década de 1860, onde serviu durante a Guerra Civil norte-americana como professor de leitura e escrita para quatro regimentos da União, composta em grande parte de escravos negros libertos.11 Depois de uma breve parada em St. Louis, onde também trabalhou como professor, ele mudou-se para a pequena cidade de Las Vegas, Novo México. Procurando uma maneira de melhorar a vida daqueles ao seu redor, ele tornou-se ativo na política, aprendeu por si mesmo o comércio da impressão e publicou jornais dedicados à causa do progresso científico e a uma vida melhor para as classes trabalhadoras.

Ele começou com “as mesmas habilidades de impressor que eram esperadas de um aprendiz” e “não tinha mais tipos ou materiais do que poderiam ser carregados nas costas de um homem”.12 Mas apesar de sua inexperiência, ele rapidamente ganhou o respeito das pessoas ao seu redor, bem como uma vida modesta através dos jornais. Os mineradores em pequenas cidades do Novo México e arraiais, que seus jornais cobriam com frequência, o chamavam de “Padre Aoy”, referindo-se ao seu passado franciscano.13

Os jornais de Aoy, às vezes publicados em espanhol e inglês, eram sinceros em seu apoio às chamadas ideias progressistas, incluindo “a elevação da classe da sociedade sóbria e industriosa, sem distinção de sexo, cor, nacionalidade, etc., por meio de ação organizada e cultura mental”.14 A educação, no ponto de vista de Aoy, era a chave para destravar o potencial humano e melhorar a situação de cada um. Além de administrar seus jornais, Aoy também ensinou espanhol para os alunos interessados.

Santo dos Últimos Dias

Foi no Novo México, em 1879, que Aoy conheceu Lawrence M. Peterson, um missionário SUD, de língua espanhola, de Manassa, Colorado.15 Peterson deu-lhe cópias de publicações da Igreja, incluindo edições de La Voz del Desierto, um dos primeiros jornais mórmons publicados no México.16 Essas publicações apresentaram Aoy à promessa do Livro de Mórmon de um lugar muito importante para os povos nativos da América, no transcorrer da obra de Deus. Esta mensagem, juntamente com a cooperação e idealismo que encontrou nas comunidades mórmons, tocou Aoy, e ele logo foi batizado.

Aoy começou a pensar em maneiras de usar sua habilidade e experiência em nome de sua nova fé. Ele escreveu para Peterson, insistindo que o norte do Novo México era um “local destinado por Deus para se estabelecer uma nova estaca de Sião inaugurada desde o princípio com uma boa escola permanente e a publicação de um jornal”.17 Ele estava particularmente interessado em ensinar e ajudar as grandes populações de mexicanos e índios Pueblo nativos naquela região.

Tradutor

Durante aquela primeira visita a Salt Lake City em 1884, Aoy examinou as pinturas do México asteca, de George Ottinger. Esses dois homens, com sua paixão em comum por culturas indígenas do México, devem ter tido uma conversa empolgante. Em seguida, por Ottinger ou por outra pessoa em Salt Lake City, Aoy ficou sabendo de um projeto importante, que estava em andamento.

Antes de sua conversão, somente partes do Livro de Mórmon tinham sido traduzidas para o espanhol. Trozos Selectos del Libro de Mormon (Passagens Selecionadas do Livro de Mórmon) foi publicado em 1875. Durante a visita de Aoy a Salt Lake City, Meliton Gonzalez Trejo — outro converso espanhol e tradutor principal do Trozos Selectos — tinha acabado de começar uma tradução completa em espanhol com James Zebulon Stewart, um ex-missionário do México.18

Em vez de voltar para o Novo México, Aoy permaneceu em Utah e entrou para a equipe de tradução. Moses Thatcher, o apóstolo responsável por supervisionar o trabalho, morava em Logan, Utah, assim como Trejo e Stewart.19 Aoy também mudou-se para lá e por mais de dois anos, auxiliou no trabalho de tradução e publicação do Livro de Mórmon em espanhol. Enquanto estava lá, ele recebeu a investidura no templo de Logan.20

Quando ele entrou para a equipe, um esboço da tradução estava quase completo, mas precisava de revisão. Aoy, fluente em inglês e espanhol, fez centenas de pequenas mas importantes mudanças no texto durante esse processo.21 Por exemplo, a palavra que milhões de membros da Igreja de língua espanhola usam hoje para referir-se às placas do Livro de Mórmon — planchas — foi sugerida por Aoy.22

Quando chegou a hora de publicar o livro, sua experiência como impressor foi uma bênção para o projeto. Sob a direção de James Z. Stewart, Aoy serviu como revisor e, por algum tempo, como tipógrafo.23 Como falante nativo de espanhol, ele pode realizar este trabalho detalhado mais rapidamente e com mais exatidão do que o impressor de língua inglesa no escritório da Deseret News.24

A tradução completa, publicada em 1886, foi um marco importante. Os líderes da Igreja e os missionários sentiram que era essencial aproximar-se “mais daquelas pessoas para quem o Livro de Mórmon foi especialmente destinado — os índios americanos — do que qualquer outra tradução seria”.25 Embora Trejo e Stewart tenham recebido os créditos na página de rosto como principais tradutores do livro, Aoy desempenhou um papel fundamental. O Élder Thatcher escreveu ao Presidente John Taylor: “Não sei como daremos prosseguimento à impressão sem a ajuda do irmão Aoy”.26

Missionário

Stewart escreveu posteriormente que enquanto traduzia o Livro de Mórmon, Aoy “ocupou seus pensamentos com os índios de Yucatán”.27 Afinal de contas, parte do propósito expressado no livro era o de lembrar os descendentes modernos do povo nele descrito “as grandes coisas que o Senhor fez por seus antepassados; e para que possam conhecer os convênios do Senhor e saibam que não foram rejeitados para sempre”.28 Incansável, Aoy se sentiu compelido a fazer algo mais. Não foi suficiente o Livro de Mórmon ter sido traduzido para o espanhol. Ele sentiu a obrigação de levar o livro para os maias, a quem ele via como os descendentes dos povos do Livro de Mórmon.

Juntamente com Emil Buchmüller, um conhecido em Logan, Aoy elaborou uma proposta para abrir uma missão entre os maias “em benefício dos aborígenes desta Terra da Promissão Ocidental”.29 Eles esperavam fazer mais do que apenas pregar: eles planejaram estabelecer escolas apoiadas por fazendas de algodão e até mesmo se casar com mulheres maias.30 Aoy e seus companheiros missionários em perspectiva estavam “ansiosos para dedicar o restante de sua vida à causa da educação em geral e para a melhoria dos lamanitas em particular”.31

Aoy enviou o plano ao Presidente Taylor, que lhes deu sua bênção e assegurou-se de que Aoy fosse compensado por seu trabalho na publicação do Livro de Mórmon.32 Aoy então embarcou novamente para o México.33 Sua rota levou-o através de El Paso, Texas, onde ele parou para esperar por sua bagagem. Enquanto estava lá, ele percebeu que um outro grupo precisava de sua ajuda.

Diretor de Escola

Quando Aoy chegou a El Paso em 1887, as crianças de língua espanhola de lá não podiam frequentar as escolas públicas onde somente o inglês era falado. Esquecidas no planejamento da comunidade anglo, essas crianças teriam dificuldades para integrar-se plenamente na sociedade de El Paso sem uma escola que lhes ensinasse inglês. Aoy “sentiu um tocante entusiasmo entre os mexicanos mais pobres por tal escola, mas não havia dinheiro para isso”.34 Como cristão compassivo, professor inveterado e falante de espanhol educado, Aoy deve ter sentido que foi chamado para estar ali naquele momento. Ele decidiu adiar sua missão ao México.

Aoy reuniu-se com os pais interessados e formou uma associação para iniciar uma escola. Ele usou suas próprias economias — incluindo o dinheiro que ele recebeu pela tradução — para alugar uma sala de aula e comprar suprimentos básicos.35 “Ele sabia que não deveria esperar qualquer remuneração a não ser a gratidão dos pais e filhos e a satisfação de ajudar em um bom trabalho”.36

Por sete meses, ensinou sua classe de 30 a 40 alunos, desejando que ele tivesse meios para acomodar mais deles. Então começou a ficar sem dinheiro, ameaçando o futuro da escola. Seus sacrifícios pessoais para o bem-estar das crianças em suas aulas começaram a ameaçar sua própria saúde e seu bem-estar. Felizmente, por meio dos esforços de conhecidos compassivos, seus esforços por fim, chamaram a atenção da junta educacional, que resolveu financiar uma “Escola Preparatória Mexicana”.37

Epílogo

Aoy nunca saiu do Texas. Porque não havia nenhum ramo da Igreja em El Paso na época, ele viveu como santo dos últimos dias em isolamento, dedicando-se a sua escola e seus alunos. Ele morreu oito anos depois, em 1895, reverenciado pela comunidade hispânica de El Paso, como um pioneiro da educação. A escola que ele começou e que agora leva seu nome é a escola mais antiga em funcionamento na cidade. Sua visão de “juntar as duas classes da população” por meio da educação bilíngue tornou-se seu legado.38

Embora não tenha servido em uma missão em Yucatán, Aoy nunca desistiu da ideia. Sempre falava aos amigos em El Paso “sobre voltar para passar o resto de sua vida” entre os maias, mas sua saúde e idade avançada tornou tal aventura cada vez mais improvável.39 Talvez elevar a vida das crianças de língua espanhola de El Paso foi o que Deus queria que ele fizesse o tempo todo.

O autor reconhece a pesquisa de Conrey Bryson, Mark Cioc-Ortega, Bill Baxter, Nicholas Corona, Christy Best, e Michael Landon e as percepções de James Goldberg e Matthew Geilman. A interpretação das fontes é unicamente de responsabilidade do autor.